A dificuldade de acesso dos negros à universidade
Apesar de
ter um programa de ação afirmativa, a segregação racial e
elitização presentes na nossa universidade são gritantes. A
dificuldade de acesso dos negros à nossa universidade é visível no
dia a dia das salas de aula e na clara diferença racial entre
estudantes e funcionários. A Unicamp orgulha-se da existência do
PAAIS mas os dados socioeconômicos divulgados pela própria Comvest
[1]
nos mostram como este programa é ineficiente como tentativa de
inclusão social.
A Comvest
afirma que o vestibular da Unicamp tem “ênfase em leitura,
raciocínio e expressão em lugar de conhecimento enciclopédico
memorizado” e complementa que “mesmo antes do PAAIS o vestibular
não modificava de forma significativa o percentual de autodeclarados
pretos, pardos e indígenas ou de egressos de escola pública entre
inscritos e matriculados.” [2,
p. 21]. Mas esta é uma estatística geral que desconsidera as
diferenças entre os cursos. Vamos analisar esta questão mais de
perto.
No
vestibular de 2012, não houve nenhum matriculado dentre os que
declararam ter cor ou raça preta em 25 dos 69 cursos oferecidos pela
Unicamp (com exceção de Música: Regência, por indisponibilidade
dos dados). Estes são os cursos:
- Artes Visuais (Integral)
- Ciências Biológicas (Integral)
- Ciências Econômicas (Integral)
- Comunicação Social - Habilitação: Midialogia (Integral)
- Dança (Integral)
- Enfermagem (Famerp) (Integral)
- Engenharia Civil (Integral)
- Engenharia de Controle e Automação (Noturno)
- Engenharia de Produção (Integral)
- Engenharia Elétrica (Noturno)
- Engenharia Química (Integral)
- Engenharia Química (Noturno)
- Estudos Literários (Integral)
- Farmácia (Integral)
- Fonoaudiologia (Integral)
- Geologia (Integral)
- Gestão de Comércio Internacional (Noturno)
- Gestão de Empresas (Noturno)
- História (Integral)
- Letras - Licenciatura (Integral)
- Medicina (Famerp) (Integral)
- Música: Composição (Integral)
- Nutrição (Integral)
- Pedagogia - Licenciatura (Noturno)
- Química (Integral)
Entre os
cursos acima estão oito dos dez mais concorridos da Unicamp. As
exceções são os cursos de Medicina (Integral) e de Arquitetura e
Urbanismo (Noturno), que tiveram apenas um matriculado de cor preta
cada um (note-se que, em 2010 e 2011, não houve nenhum matriculado
com essa característica nestes dois cursos).
Apenas
para simplificar a explicação, vamos desconsiderar os 25 cursos
acima listados e, dentre os cursos restantes, tomaremos apenas os
cursos onde a diferença entre a porcentagem dos inscritos e dos
matriculados que declararam ter cor preta seja maior ou igual a 1,5%.
Porcentagem de inscritos e matriculados nos cursos da Unicamp de cor preta, excluídos os cursos sem matriculados e aqueles em que a variação é menor que 1,5%. |
Apesar de
parecer contraditório, este fenômeno é bastante comum em
estatística e recebe o nome de Paradoxo de Simpson [3].
Neste caso, a falsa impressão dada pela estatística geral acontece
porque os cursos mais concorridos têm menos candidatos
afrodescendentes. Portanto, a argumentação dada pela Comvest é
simplista e falaciosa.
Quem
estiver interessado, pode analisar os dados coletados na íntegra.
[4]
A mesma
dificuldade de acesso é encontrada entre os que se declararam
pardos, entretanto de forma menos acentuada. Os três cursos em que
nenhum pardo se matriculou são Ciências Econômicas (Noturno),
Música: Composição (Integral) e Música: Licenciatura (Integral).
Em 12 dos 14 cursos mais concorridos, a proporção de pardos entre
os inscritos foi maior que entre os matriculados.
Prosseguimos
da mesma forma que anteriormente, considerando apenas os cursos tais
que a diferença de proporção de pardos entre os inscritos e os
matriculados seja maior ou igual a 4,5%.
Porcentagem de inscritos e matriculados nos cursos da Unicamp de cor parda, excluídos os cursos sem matriculados e aqueles em que a variação é menor que 4,5%. |
Vemos,
novamente, que a quantidade de inscritos pardos é relativamente
maior que a de matriculados, apesar deste grupo compor 12,3% tanto
dos inscritos quanto dos matriculados da Unicamp neste ano.
Entre os
autodeclarados indígenas, a quantidade de inscritos é bem pequena.
Por este motivo, apenas alguns cursos contam com a presença de
membros deste grupo étnico. As análises feitas anteriormente não
são possíveis neste caso. No caso dos autodeclarados amarelos,
vemos o efeito totalmente oposto, o que mostra que nem todas as
minorias étnicas são vítimas de opressão na nossa sociedade.
Os cursos
com maiores proporções negros (pretos ou pardos) entre os
matriculados são, em sua maioria, cursos noturnos ou de pouca
concorrência. Este grupo étnico também têm maior receio de
concorrer no vestibular. No Estado de São Paulo, segundo a
estatística do IBGE de 2009 [5,
p. 232], 5,8% da população declarou-se preta e 28,3%, parda.
Entre os inscritos no vestibular da Unicamp de 2012, estes números
caem para 3,2% e 12,3%, respectivamente. Com exceção dos cursos
Pedagogia - Licenciatura (Noturno) e Licenciatura Integrada
Química/Física (Noturno), todos os outros cursos tiveram
porcentagem de matriculados pardos abaixo da porcentagem de pardos na
população.
Vemos,
assim, que o acesso dos negros às vagas dos cursos de maior
prestígio é bastante limitado (mesmo considerando apenas os que se
inscrevem!). Os afrodescendentes evitam concorrer às vagas
oferecidas pela universidade, especialmente nos cursos de maior
concorrência, e os poucos que ousam fazê-lo dificilmente são
aprovados. O PAAIS mostra-se ineficiente em combater esta dura
realidade.
Os efeitos do PAAIS
Após a
implementação do PAAIS no vestibular de 2005, houve um
grande aumento de autodeclarados
pretos, pardos e indígenas (PPI) entre os inscritos, efeito que
diminuiu com o tempo [8].
Houve também um salto na quantidade de matrículas de membros deste
grupo: os PPI eram 11,8% dos matriculados em 2004, 16% em 2005 e
15,6% em 2012. Entretanto, comparando os dados de 2004 e 2012 nos
cursos oferecidos nos dois anos, percebemos que este aumento da
participação dos grupos étnicos excluídos concentrou-se nos
cursos de menor concorrência, como mostra a tabela a seguir.
- Variação da porcentagem de matriculados PPI entre 2004 e 2012Número de cursosMédia de candidatos por vaga em 2012Menos de -5%717,9-5% a menos de 0%520,30% a menos de 5%1328,85% a menos de 10%1014,210% a menos de 15%713,215% ou mais44,4
Os cinco
cursos em que esta variação foi maior são todos noturnos. A maior
delas no curso de Licenciatura Integrada Química/Física (Noturno),
em que as matrículas dos PPI aumentaram em 36,2%!
Se não
bastasse estes problemas, o aumento da participação dos alunos
egressos de escola pública na universidade foi praticamente nulo:
estes eram, em média, 29,9% dos matriculados de 2001 a 2004 e 32,0%
de 2005 a 2012 (um aumento de 2,1%). Assim, não é possível que o
aumento da participação de PPI entre matriculados de 11,8% em 2004
para 16,0% em 2005 (aumento de 4,2%) tenha sido por conta da
bonificação. Estes dados refletem apenas o aumento na
autodeclaração por parte dos pretos, pardos e indígenas.
O desempenho acadêmico
Vários
estudos feitos por professores desta universidade e até pela própria
Comvest [2,
6,
7]
mostram que os alunos que são bonificados pelo PAAIS apresentam
melhor rendimento acadêmico do que os não bonificados. Um dos
critérios utilizados foi o CR (Coeficiente de Rendimento). Por ser
determinado a partir da média aritmética das notas finais em cada
disciplina, este critério não leva em conta o aumento de desempenho
dos alunos ao longo dos cursos. Por exemplo, um aluno que, por não
ter estudado numa boa escola de Ensino Médio, teve média 6 no
primeiro semestre, mas aumentou progressivamente suas notas até
obter média 8, terá o mesmo CR que um aluno que teve média 7
durante todos os semestres, mesmo que, claramente, o primeiro tenha
melhor desempenho acadêmico geral.
Entretanto,
ao longo do curso, o CR médio dos bonificados vai aumentando quando
comparado ao CR médio dos não bonificados, um perfil bastante
semelhante aos cotistas de outras universidades [9,
10].
Isso mostra que, apesar de não possuírem a mesma quantidade de
conhecimento prévio acumulado, eles se mostram mais determinados a
estudar, a progredir academicamente, e também que, mesmo
considerando como critério de avaliação apenas a questão de
“mérito”, o PAAIS é um programa fraco, um simples protótipo de
um programa de ação afirmativa e de inclusão social.
Estes
dados indicam que é possível criar um programa de cotas para a
nossa universidade sem prejudicar a qualidade dos cursos. É claro
que, para isso, são necessárias medidas para auxiliar o aprendizado
dos alunos, como aumentar as horas de atendimento extra-classe, de
aulas de exercícios e garantir a disponibilidade de livros
didáticos. Além disso, é essencial a ampliação dos programas de
assistência estudantil. Este é um compromisso que a Unicamp deve
firmar com a sociedade, em especial os indígenas, os negros e os
estudantes egressos de escola pública.
Acesso à educação segundo raça e renda
Costuma-se afirmar que um programa de cotas sociais podem substituir
um programa de cotas raciais e sociais. Entretanto, uma pesquisa
feita na Unicamp sobre acesso à educação revela que a desigualdade
racial existente no Brasil não se trata meramente de desigualdade
social, mas existe mesmo quando se compara indígenas, negros,
amarelos e brancos de uma mesma faixa de renda, desigualdade que
existe em todas as faixas de renda, embora seja mais acentuada nas faixas
de menor renda, conforme mostra a tabela a seguir. [11]
Nesta tabela, classificam-se como "brancos" os autodeclarados brancos ou amarelos, enquanto classificam-se como "não-brancos" os autodeclarados pretos, pardos ou indígenas. |
[4]
http://www.dropbox.com/sh/ummntsdy3yjdu3y/DocGPQjDnx/Coletivo/Dados%20socioecon%C3%B4micos%20Unicamp
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